Produtos: a “modinha” que desfez a promessa
O maior problema dessas figuras modernas chamadas PO é PM é achar que o “seu” produto gira em torno da sua própria vontade!
Este é assunto espinhoso, mas necessário. Sei que vou desagradar a muitos com o que tenho a dizer neste artigo, mas vou me arriscar ao apedrejamento virtual, na tentativa de resgatar as pessoas de um poço do ego e da vaidade em que muitos se encontram.
Como cheguei nesse mundo
Me lembro bem de quando eu comecei na área de produtos, há pelo menos 10 anos. Eu nem fazia ideia de que aquilo que eu fazia era a gestão do portfólio de produtos, que criava e gerenciava produtos! Não entendia que eu estava me tornando um profissional dessa área. Foi uma experiência muito significativa pra mim, que sou de TIC, mas com formação em administração e ênfase em gestão estratégica de negócios. Mais a frente falo dessa relação entre estratégia, produtos e negócios.
Um tempo depois, quando já me percebia como um profissional nessa jornada, fui fazer alguns cursos, ler livros e muitos artigos sobre o tema, desenvolver minhas próprias concepções e conceitos, fui aprender com quem já atua há mais tempo em produtos e ampliar minhas competências para ser mais relevante aonde quer que esteja nessa área. Enfim, criar profundidade no conhecimento, para não ser apenas mais um tentando ganhar aplausos com falas vazias, surfando uma onda passageira. Aliás, ondas são, de fato, passageiras! Por isso não quero estar na onda, quero estar na embarcação que faz as travessias e explora um amplo horizonte de oportunidades que a área de produtos oferece, mesmo em meio as ondas que balançam o barco.
O começo… do fim
Durante a pandemia de COVID, que se iniciou em 2020, com pessoas do mundo inteiro reclusas em suas casas, onde o medo do que estava acontecendo em relação à saúde e a insegurança na continuidade do trabalho afligia a todos, a área de produtos, que já vinha com uma forte inclinação de crescimento, teve uma repentina explosão na sua expansão. Surgiram escolas, muitos profissionais oferecendo cursos, gente que mal sabia o que era um produto ditando regras e determinando o caminho a seguir. Aquilo tudo parecia um novo momento nessa jornada e prometia mudanças significativas na trajetória profissional de quem ingressasse nesse “novo movimento”. Era o tema da “nova modinha”!
Muita gente explorou bem esse novo momento, muitos surfaram mesmo as oportunidades que o mercado de produtos abriu. Exploraram a insegurança e o medo criados pelo fantasma do desemprego e das incertezas no cenário da economia global versus as promessas de uma nova e promissora área. Alguns (poucos) de maneira justa e honesta, formando pessoas de fato preparadas, porém, outros (a maioria) pela “pregação” do medo e da escassez, entregando pouquíssima contribuição na formação de profissionais de produtos. Aliás, muitos dos que ensinavam, como já disse, não sabiam nem para si!
Tudo isso criou uma produção em massa de profissionais com conceitos equivocados e sem preparo algum para encarar os desafios daquilo que é alinhar o core dos negócios com as entregas reais dos produtos. Aquele ativo que de fato deve levar valor ao cliente final. E por falar em core (núcleo ou centro) de negócio, está ai um dos maiores desalinhamentos entre os profissionais de produtos e as expectativas dos executivos de negócio.
Executivos versus “produteiros”
Já deixo claro que tenho ranço dessa nomenclatura ridícula que criaram chamada “produteiros”. Acho petulante, indevida e diminui a relevância de um profissional sério da área de produtos. Relega a pessoa à posição de lobinho, para quem conhece os escoteiros. Neste quesito, já temos denominações adequadas para se referir a quem trabalha nessa nobre área. Bom, se quiser parar por aqui, fique à vontade. Vou entender se não estiver disposto a ler mais verdades inconvenientes.
Presenciei cenas fortes e tive contato com muita gente que estava recentemente atuando na área. Contratei gente boa, gente não tão boa e pessoas que cresceram demais no processo. Observei muita coisa; assisti a muitas palestras e participei de diversos eventos de produtos, com o objetivo de observar e entender esse “novo momento”. Até promovi um evento interno na empresa onde atuava como diretor de produtos e soluções.
Depois de muitas análises, percebi a principal diferença entre os profissionais mais antigos e essa nova leva, guiada pela “modinha” e pela promessa de serem destaques como profissionais dessa área. Essa diferença esta no entendimento de que o produto (e/ou serviço) é o principal ativo de uma empresa e que ele, produto, deveria ser o centro das ações, tendo como base as definições de negócio originadas lá nas demandas do mercado e dos clientes e que estão manifestas na razão de ser da empresa (missão, visão, valores e propósito). Muitos não percebem que suas ações precisam, sobre todas as coisas, estar totalmente alinhadas com o propósito da empresa e com seu próprio motivo de ser. Muitos desses novos profissionais tinham (e alguns ainda tem) uma percepção errada de que eles são os únicos responsáveis pelas definições do produto. Que são autoridade e únicos especialistas capazes de saber o que é “certo” ou “errado”. Esse pensamento é um total equívoco e foi o que deu início à derrocada de muitos desses profissionais em curva de evolução que era verticalmente crescente e promissora.
É necessário manter o alinhamento
Quando um avião vai decolar, ele alinha na cabeceira da pista e percorre um longo trecho para ganhar velocidade e assim decolar. O desalinhamento vai fazer com ele saia da pista e cause um acidente as vezes irrecuperável para a aeronave.
Assim como na aviação, a falta de alinhamento da área de produtos com o core do negócio e com o entendimento dos executivos, cria uma tensão desnecessária entre a área e aqueles que decidem os rumos estratégicos da empresa. Sem esse alinhamento, não há como existir sinergia para produzir resultados sustentáveis. Assim como no cockpit de um avião, onde os pilotos enxergam a pista que deve ser percorrida, na área de produtos não é diferente. A pista é a estratégia, ou seja, deve ser seguida. Caso contrário o avião sai do rumo e pode se espatifar no canteiro ao lado, sem ao menos sair do chão.
O cabo de guerra entre os conceitos vazios pregados por muitos profissionais e as necessidades que os executivos desejam e entendem ser a melhor forma de atender as demandas de mercado geram uma reação mais forte, originada do lado de quem tem a caneta decisória. E é ai que a corda do cabe de guerra se rompe: sempre do lado mais fraco. Por isso da importância de se manter alinhado às estratégias de negócios. Aliás, tem um passo anterior: entender essa estratégia e validar seu entendimento.
Então, Danilo, você está dizendo que os especialistas de produtos devem dizer amém a tudo? Claro que não! A questão é que existem “formas” e formas de negociar as ações em qualquer área, para além da gestão de produtos. Fugir das tensões e conflitos é e sempre será a maneira mais inteligente. Ser claro e transparente quanto aos pensamentos sobre aquilo que está gerando essa tensão, também vai contribuir demais.
E agora, como fica?
Os resultados dessa tensão foram péssimos. Ao final da pandemia, quando as empresas estavam demitindo em massa, percebeu-se que muita gente da área que havia sido contratada na esteira das demandas do mercado de software e da “modinha” criada, foram sumariamente dispensadas. Aquela escassez de profissionais que vivemos durante os aproximadamente 3 anos de pandemia, se inverteu. Presenciei muitos profissionais buscando oportunidade no mercado e muita rejeição também. De forma mais acentuada, os mais atingidos foram profissionais de produtos e de desenvolvimento de software. Analisei muitas planilhas com nomes de profissionais desligados que foram divulgadas por comunidades. Muitas mesmo! E me espantei com a quantidade de profissionais da área de produtos que haviam perdido empresa. Vi, inclusive, muitos que eram “vitrine” de divulgação da “modinha”.
O que acontece agora, depois que a chuva já passou, é que o mercado está se estabilizando. Mesmo com a imagem arranhada, a área de produtos segue relevante. E não é pra menos pois, como já disse, os produtos e serviços são o core dos negócios e precisam de atenção estratégica. Porém, agora está diferente. Não se contrata mais pelas falas ou pela pseudo relevância do profissional. Agora se busca pessoas pelas suas reais qualificações dentro das especificidades do negócios e pela vivência com a construção e a gestão de produtos. Agora o profissional de produtos não é mais a estrela! Ele precisa entender que é parte de uma estratégia maior, que segue as diretrizes executivas daqueles que decidem os rumos da empresa. É claro que devem conquistar o espaço para se tornarem relevantes e estratégicos também, nessa tomada de decisão, mas isso é uma construção mais longa, não uma “forçação de barra” para ser relevante. É preciso reconquistar a confiança que foi abalada por quem queimou o mercado de profissionais de produtos. Trazer novamente o discurso para impor conceitos abstratos vai, no máximo, gerar a tensão com o executivos que já mencionei e recomendo a todos que fujam dela.
Fechando o raciocínio
Pretendo dividir a construção desse conteúdo em 3 artigos. Sendo este primeiro como um breve relato do contexto de mudança da área de produtos e seus desdobramentos, o segundo abordando questões básicas na estruturação de uma área produtos saudável e o terceiro vai falar, na prática, do alinhamento das estratégias de produtos com o negócio.
Ainda nesta primeira parte, o fato mais relevante é que, para além das práticas duvidosas espalhadas por pessoas despreparadas, um certo nível de arrogância tomou conta das pessoas que estavam na área de produtos, criando uma antipatia (velada) por parte de outras áreas. Um ar de “glamour” quis fazer parecer que essas pessoas eram mais importantes. E, na boa, toda vez que isso acontece o tombo é grande. Eu mesmo já presenciei durante a minha carreira, pessoas tropeçando no próprio ego e caindo na sarjeta do amargo desemprego. Também já fui tentado por essa corrente, mas percebi antes mesmo de entrar nela.
Este artigo trouxe palavras duras, porém reais. Antes uma verdade dolorosa e transformadora, que uma mentira suave e destruidora. Tenho vontade de falar disso há tempos, mas me faltava coragem, por saber que pessoas iriam interpretar meu pensamento de forma errada. No entanto, após pensar muito, decidi publicar este artigo na busca de alertar aqueles que estão abertos a ouvir. Tentar abrir os olhos daqueles que constroem sua carreira como parte dessa área a qual sou tão apaixonado.
Quer ser um bom profissional de qualquer área? Não busque relevância e nem reconhecimento, busque competências. Por meio de sólidas competências, naturalmente você será recompensado e desfrutará de uma carreira brilhante.
Em breve publicarei a segunda parte.
Até breve!
Danilo Mesquita
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