Um Olhar Humanista para a Gestão

Somos “Recursos Humanos”?  Segundo os dicionários, recursos são bens materiais, posses disponíveis para serem utilizados. Somos?

Essa visão ainda existe e tenho exemplos muito recentes de como as pessoas são tratadas em entrevistas de emprego, processos seletivos, períodos de experiência, desligamentos, relacionamento com gestores, equipes e empresas tóxicas.

Como ser humano que sou e profissional que entende que o maior capital de uma empresa é o HUMANO, seus CLIENTES são seu maior bem e que ninguém consegue realizar nada sozinho, vejo de forma clara que TUDO DEPENDE DE PESSOAS.

Aquele que torce e fica feliz com o sucesso do colega, já entendeu tudo. Mas o que se acha melhor dos que os outros ou se preocupa com a grama mais verde do vizinho, vai cair feio e não vai ter ninguém para ajudar a se levantar.

Os que equilibram vida pessoal e profissional, buscarão por empresas saudáveis e humanizadas, trarão melhores resultados e não terão depressão ou burnout. Mas quem consegue viver bem sob pressão e abuso constante, sendo tratado como um “recurso”?

 

Buscando por mais informação, encontrei o artigo “A Gestão de Pessoas das Ciências Humanas – Discussão Conceitual entre Projeto de Modernidade e ‘Jeitinho Brasileiro’”, de Pedro Luiz Ribeiro de Santi, publicado na Revista de Carreiras & Pessoas em 2018, do qual reproduzo alguns trechos a seguir:

O projeto da Modernidade ocidental, construído entre os séculos 16 e 17, deu-se sobre certa concepção do Homem. O conhecimento do mundo deixou de ser buscado em oráculos divinos ou tradições, e passou a se escorar em sua capacidade racional.

Criou-se então a distinção entre o Homem, tomado como sujeito racional, e tudo o mais, tomado dali em diante como OBJETO; OBJETO DE ESTUDO, MATÉRIA PRIMA, MERCADORIA, O PRÓPRIO CORPO.

Nas palavras de Figueiredo (1995): “O sujeito-verdadeiro sub-jectum, no sentido próprio do que subjaz- deve constituir-se como fundamento para que o mundo da modernidade se torne um mundo habitável e, principalmente, administrável, controlável, previsível.” (p.32).

O Homem deve tomar a si mesmo como projeto de controle e se tornar autônomo. A este processo, Figueiredo chama de assujeitamento. Aos demais, ao menos àqueles que não passam pelo mesmo processo, cabe o lugar de meros indivíduos, que:

(…) ficam reduzidos à condição de objeto de uso alheio e submetidos a formas autoritárias de controle: por exemplo, a de uma lei impessoal que os transcende, que deles não emanou, na qual não se reconhecem e se concretiza apenas na presença de uma autoridade responsável pela efetuação dos procedimentos disciplinares que os constituíram e os mantem na sua desamparada e dócil individualidade (p. 38).

Esta é uma cisão fundamental do projeto moderno: de um lado, um sujeito soberano, de outro, objetos de conhecimento ou consumo. Num regime de trabalho, isto distingue a figura de liderança-sujeito dos projetos e decisões- dos meros funcionários, concebidos como executores não pensantes:

Assujeitamento é o termo que me parece mais apropriado para designar o modo moderno de subjetivação. Aqui, o mero indivíduo se constitui como sujeito autosubsistente e autossustentado (…) enquanto autonomia racional diante de um mundo de objetos plenamente ‘objetivos’ (p. 39).

‘Ser líder’ ou ‘como ser líder’ são temas importantes do que se produz na área de Recursos Humanos, como sabemos. É um anseio do Homem moderno se alçar à condição de sujeito para abandonar a massa dos meros indivíduos.

Onde o projeto moderno predomina, sobressaem os discursos de controle e monitoramento, técnica e eficiência, produtividade e performance. Mas tal impessoalidade desumaniza as relações e fez do Homem moderno um predador da natureza e de outros homens em sua busca de lucro e proveito imediato.

Onde o regime das ‘pessoas’ tenha força, imperam as relações pessoais, amigáveis e afetivas, mas sujeitas às preferências e aos favorecimentos de cada um, assim como às trocas de favores; como naquilo que chamamos de “jeitinho brasileiro”.

A expressão “Recursos Humanos” parece se alinhar a uma concepção predominantemente instrumental, na qual o humano é um objeto a ser manipulado e controlado; ‘gestão de pessoas’ já soa como um termo híbrido, a dimensão de gerenciamento está atenta a pessoas num sentido humano mais abrangente, não meros funcionários. Curiosamente, quando criada, a expressão ‘Recursos humanos’ buscava superar a concepção de que, numa empresa, o humano comparecia exclusivamente como custo (Sampson, 2000).

Num artigo chamado “Administrar comportamento humano em contextos organizacionais”, podemos acompanhar esta transformação na concepção de recursos humanos, característica do século 21. As autoras Kienen e Wolff partem do que era o modelo mais convencional de recursos humanos, baseado numa concepção científica convencional nos últimos três séculos: “o conhecimento psicológico produzido passou a ser visto como formador da visão do ‘homem-robô”. No que chamam ‘visão sistêmica’, as autoras se mantêm no horizonte de controle de comportamento no contexto organizacional, mas entendem que não se pode abordar o comportamento isolado de seu contexto, seu “antes e depois”. Assim é descrita esta transformação:

(…) o conceito de gestão de pessoas começa a substituir o conceito de recursos humanos. As funções dos departamentos de recursos humanos sofreram alterações significativas, à medida em que deixaram de se voltar para questões técnicas e administrativas a fim de buscarem compreender o ser humano no trabalho e desenvolver a educação corporativa (p. 29).

As organizações se tornaram novos paradigmas na relação do indivíduo com a sociedade, com sua autonomia de gerenciamento. Em Frontiers of Management (1986), Peter Drucker diz sobre a companhia:

Foi a primeira instituição nova em centenas de anos, a primeira a criar um centro de poder que estava dentro da sociedade, mas era independente do governo central do Estado nacional (Apud. Sandler, 2000, p. 40)

Com a emergência deste poder da companhia, surgiu concomitantemente a preocupação com ele, que ameaça o individualismo. O gerente e sua submissão à empresa foi a figura crescente e impessoal a habitar aquele ambiente. Nas palavras de Woodrow Wilson, ainda antes de ser Presidente dos EUA, em The new Freedom (1913):

Você sabe o que acontece quando é empregado de uma empresa. Você não tem nenhuma instância de acesso aos homens que estão realmente decidindo as diretrizes da empresa (…) Sua individualidade é engolida pela individualidade e pelos objetos de uma grande organização… (Apud. Sandler, 2000, p. 54).

O sonho do século 20 de passar toda a vida numa mesma empresa foi se esfacelando desde os anos 70. A lealdade mútua deixou de ser um valor. Todo o ambiente passou a ser volátil, com menor segurança de emprego e a criação e destruição de marcas poderosas numa velocidade inédita. Em muitos lugares, os escritórios passaram a ter um ambiente caseiro, e muitas casas se transformaram em home-offices. E, como sabemos, com o uso dos smartphones, o limite entre estar dentro e fora do trabalho desapareceu.

Em pleno período de domínio do paradigma da administração científica, no início do século 20, teria surgido uma nova escola de pensamento na Administração: a escola das relações humanas. Uma vez mais, podemos reconhecer mais de um paradigma operando: trata-se ao mesmo tempo de estar atento às dimensões pessoais no trabalho e do interesse no estudo do comportamento organizacional. Sobre este campo, dizem os autores:

(…) autores como Kurt Lewin, Abraham Maslow, Frederick Herzberg, Douglas McGregor, Rensis Likert e Chris Argyris desenvolveram uma espécie de psicologia organizacional, trabalhando temas como tomada de decisão, liderança, motivação e dinâmica de grupo. O ponto de identidade que podemos encontrar em suas abordagens (…) refere-se à preocupação em harmonizar as necessidades individuais com as necessidades organizacionais, encontrando um equilíbrio, que se pretendia possível, entre indivíduos e organização (p. 707).

 

O século XXI será, sem dúvida, o século do humanismo nas empresas. Cada vez mais o primeiro objetivo de qualquer empresa será garantir a sua perenidade, crescendo nos anos propícios e atravessando com segurança os períodos de estagnação no mercado.

Nos próximos anos, isso dependerá da qualidade, integração e motivação dos “recursos humanos”, conciliando os objetivos da empresa e os interesses pessoais dos colaboradores.

Isso será possível, através de uma cultura organizacional rica em valores humanistas, que respeite as diferenças entre as pessoas e faça delas a sua principal força competitiva.

O humanismo, como filosofia de gestão, faz parte da cultura de grandes empresas extremamente lucrativas e que, nem por isso, deixam de ser bons lugares onde se trabalhar.

 

Cris Moutella

Mentora de Carreira e Recolocação

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